Superior Tribunal de Justiça STJ - AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL: AREsp 1620338 SP 2019/0341057-4

Decisão
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.620.338 – SP (2019/0341057-4) RELATOR : MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA AGRAVANTE : ITAÚ SEGUROS S/A ADVOGADOS : PAULO HENRIQUE CREMONEZE PACHECO – SP131561 MÁRCIO ROBERTO GOTAS MOREIRA – SP178051 AGRAVADO : TRANSPORTES AEREOS PORTUGUESES SA ADVOGADO : RENATA MARTINS BELMONTE – SP324467


DECISÃO Trata-se de agravo nos próprios autos interposto contra decisão que inadmitiu o recurso especial por ausência de demonstração da ofensa aos dispositivos legais, incidência da Súmula n. 7 do STJ e falta de similitude fática (e-STJ fls. 574/576). O acórdão recorrido está assim ementado (e-STJ fl. 422): JUÍZO DE RETRATAÇÃO – ação regressiva de seguradora que se sub-rogou nos direitos da empresa segurada – transporte aéreo internacional – extravio de mercadorias – interposição de Recurso Extraordinário pela ré TAP – autos devolvidos à C. Câmara para juízo de retratação nos termos do art. 1030, inciso II, do atual CPC (art. 543-B, §3°, do CPC/73) – prevalência da indenização tarifada prevista na Convenção de Montreal em detrimento do CDC (Lei 8078/90) – precedentes do C. STJ em incidente de recursos repetitivos (RE 636.331/RJ) – fixação do indenizatório limitado a 17 DES (Direitos Especiais de Saques) por quilograma da carga extraviada – acórdão reformado – provimento parcial do recurso. Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (e-STJ fls. 444/451). As razões do recurso especial (e-STJ fls. 457/488), fundamentadas no art. 105, III, alínea “a”, da CF, versavam sobre afronta aos arts. 786 e 944 do CC/2002, além de dissídio jurisprudencial. Sustentava (e-STJ fls. 811/815): (a) “que não se aplica ao caso concreto a recente decisão de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, Tema 210, porque não se trata de um extravio de bagagem em transporte de passageiro, mas de um descumprimento imotivado e culposo de obrigação de resultado, transporte de carga” (e-STJ fl. 464), (b) que “no caso do transporte aéreo internacional de carga tal dinâmica não faz sentido, porque toda carga tem valor líquido e certo, documentalmente comprovado e previamente conhecido pelo transportador aéreo, haja ou não o pagamento do chamado frete ‘ad valorem'” (e-STJ fl. 468), e (c) que “mero Inadimplemento contratual não é acidente de navegação, ao tempo em que o caso concreto aponta elementos de convicção suficientemente hábeis para configurar a culpa grave” (e-STJ fl. 471). No agravo (e-STJ fls. 582/612), afirma a presença de todos os requisitos de admissibilidade do especial. A agravada apresentou contraminuta (e-STJ fls. 615/625).
É o relatório.
Decido.


O STF, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 636.331/RJ (Tese n. 210), sob o regime da repercussão geral, consolidou a tese de que, “Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor”, em acórdão assim ementado: Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Extravio de bagagem. Dano material. Limitação. Antinomia. Convenção de Varsóvia. Código de Defesa do Consumidor. 3. Julgamento de mérito. É aplicável o limite indenizatório estabelecido na Convenção de Varsóvia e demais acordos internacionais subscritos pelo Brasil, em relação às condenações por dano material decorrente de extravio de bagagem, em voos internacionais. 5. Repercussão geral. Tema 210. Fixação da tese: “Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor”. 6. Caso concreto. Acórdão que aplicou o Código de Defesa do Consumidor. Indenização superior ao limite previsto no art. 22 da Convenção de Varsóvia, com as modificações efetuadas pelos acordos internacionais posteriores. Decisão recorrida reformada, para reduzir o valor da condenação por danos materiais, limitando-o ao patamar estabelecido na legislação internacional. 7. Recurso a que se dá provimento. (RE n. 63.6331, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 25/5/2017, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-257, DIVULG 10-11-2017, PUBLIC 13-11-2017.)
No mesmo sentido, no que concerne ao transporte de cargas, encontra-se a jurisprudência desta Corte Superior: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL. EXTRAVIO DE CARGA. INCIDÊNCIA DAS CONVENÇÕES DE VARSÓVIA E MONTREAL. 1. No caso concreto, aplica-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal, consolidado com o julgamento do RE 636.331/RJ, sob a sistemática da repercussão geral, no sentido de que “nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor” (Tema 210). 2. Dessa forma, devem ser aplicadas, na hipótese vertente, as Convenções de Varsóvia e Montreal, inclusive no que tange à limitação das indenizações pleiteadas. 3. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.782.487/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/6/2019, DJe 25/6/2019.).


RECURSO ESPECIAL. CIVIL. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL DE CARGA. TRATAMENTO ADUANEIRO. DESPESAS DE ARMAZENAGEM. INDENIZAÇÃO. CONVENÇÃO DE MONTREAL. APLICABILIDADE. PRESCRIÇÃO BIENAL. OCORRÊNCIA. 1. Controvérsia acerca da aplicabilidade da Convenção de Montreal a pretensão indenizatória decorrente de despesas adicionais de armazenagem causadas por ilícito contratual praticado pela transportadora durante as formalidades aduaneiras. 2. Extensão do contrato de transporte aéreo internacional para além do momento do desembarque da carga, mantendo-se o vínculo jurídico enquanto a carga permanecer sob custódia da transportadora, nos termos do art. 18, item 3, da Convenção de Montreal. 3. Existência de norma na Convenção de Montreal acerca da responsabilidade subjetiva das Transportadora pelas formalidades aduaneiras (art. 16, item 1). 4. Prevalência da norma internacional em detrimento da legislação interna, na esteira do precedente do Supremo Tribunal Federal (Tema 210/STF), enunciando o seguinte entendimento: “Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor”. 5. Aplicação da Convenção de Montreal ao caso dos autos. 6. Ocorrência da prescrição bienal prevista no art. 35 da Convenção de Montreal, com a improcedência do pedido. 7. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (REsp n. 1.615.981/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/4/2018, DJe 30/4/2018.).
Destaca-se que, havendo sub-rogação dos direitos, os valores a serem ressarcidos são os mesmos da relação originária, ou seja, limitados pela Convenção de Varsóvia e Montreal. A propósito: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESSARCITÓRIA EM REGRESSO PROMOVIDA PELA SEGURADORA CONTRA A TRANSPORTADORA AÉREA. 1. APLICAÇÃO DA CONVENÇÃO DE VARSÓVIA E DE MONTREAL, CONFORME ORIENTAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, no RE 636.331/RJ, DJe 25/05/2017, ao apreciar o Tema 210 da Repercussão Geral, firmou-se no sentido de que as normas e os tratados internacionais devem ser aplicados às questões envolvendo transporte internacional, seja este de pessoas, bagagens ou cargas, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal. 2. O segurador se sub-roga nos exatos limites do valor que competia ao segurado contra a transportadora aérea, com base no art. 786 do Código Civil. 3. Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp 1175484/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 20/04/2018.).
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. EXTRAVIO DE BAGAGEM. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL. DANOS MATERIAIS RECONHECIDOS. LIMITES DA RESPONSABILIDADE CIVIL. CONVENÇÃO DE MONTREAL. REGIME DE INDENIZAÇÃO TARIFADA. INCIDÊNCIA. TESE FIXADA EM REPERCUSSÃO GERAL. AÇÃO REGRESSIVA. SEGURADORA CONTRA O CAUSADOR DO DANO. SUB-ROGAÇÃO NOS DIREITOS DO SEGURADO. SÚMULA Nº 188/STF. INDENIZAÇÃO PAGA DIRETAMENTE PELA COMPANHIA AÉREA. CRÉDITO REMANESCENTE. INEXISTÊNCIA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 636.331/RJ, sob o regime da repercussão geral, consolidou o entendimento de que, “nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor”. Diante da tese fixada pelo STF, é necessária a reorientação da jurisprudência anteriormente consolidada nesta Corte Superior. 3. Consoante o entendimento pacífico do STJ, ao efetuar o pagamento da indenização ao passageiro/segurado em decorrência de danos materiais causados pela companhia aérea, a seguradora sub-roga-se nos direitos que competirem ao segurado contra o autor do dano, nos limites desses direitos. Incidência da Súmula nº 188/STF. 4. No caso dos autos, a incidência do regime de indenização tarifada previsto na Convenção de Montreal implica a ausência de direito à complementação reparatória acima dos valores previstos na norma internacional. 5. Na hipótese em que restou comprovado que a companhia aérea pagou diretamente à passageira indenização correspondente ao previsto na Convenção de Montreal, inexiste direito de regresso da seguradora pelo que pagou a mais à segurada por mera liberalidade. 6. Recurso especial não provido. (REsp n. 1.707.876/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 5/12/2017, DJe 18/12/2017.).


Por outro lado, sustenta a companhia seguradora a reforma do acórdão da Corte local – que aplicou a limitação tarifada prevista na Convenção de Montreal -, para que a indenização pelo prejuízo material decorrente do extravio das mercadorias ocorra pelo valor integral, conforme indicado na petição inicial. Segundo a recorrente, restou demonstrado a culpa grave e o dolo da empresa aérea no desaparecimento dos bens, a afastar a indenização tarifada. Entretanto, conforme destacou o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, quando da apreciação do REsp n. 32.903/SP (QUARTA TURMA, julgado em 24/6/1996, DJ 23/9/1996, p. 35.110), “a exceção contemplada no referido art. 25 [da Convenção de Varsóvia] exige que seja provada a ocorrência de dolo ou culpa grave por parte da empresa transportadora, através de seus prepostos”. A respeito: DIREITOS AERONÁUTICO E CIVIL. EXTRAVIO DE BAGAGEM. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. RESPONSABILIDADE TARIFADA. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. I – Em regra, é tarifada a responsabilidade civil da empresa de transporte aéreo em decorrência de extravio de mercadoria ou bagagem, consoante art. 22 da Convenção de Varsóvia, alterada pelo Protocolo de Haia, contemplando o mesmo texto, no art. 25, as exceções. II – As exceções do referido art. 25 exigem que seja provada a ocorrência de dolo ou culpa grave por parte da empresa transportadora, através de seus prepostos, o que não foi cogitado no acórdão recorrido e nem suscitado pela parte autora. (REsp n. 135.535/PB, Relator Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 11/4/2000, DJ 7/8/2000, p. 108 – grifei.).


RECURSO ESPECIAL. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL DE CARGA. CONTRATO DE TRANSPORTE DE MERCADORIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. INEXISTÊNCIA. INDENIZAÇÃO PELO EXTRAVIO. CONVENÇÃO DE MONTREAL. INCIDÊNCIA. REGRA DE SOBREDIREITO CONSTITUCIONAL. DESTRUIÇÃO, PERDA OU AVARIA DO BEM TRANSPORTADO. AUSÊNCIA DE DECLARAÇÃO ESPECIAL DE VALOR. PESO DECLARADO NO CONHECIMENTO DE TRANSPORTE AÉREO. CRITÉRIO PARA CÁLCULO DA REPARAÇÃO DO DANO. CULPA GRAVE OU DOLO PELO MERO EXTRAVIO. (…) 2. Por um lado, o art. 1º, alínea 1, da Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional (Convenção de Montreal) elucida que esse diploma se aplica a todo transporte internacional de pessoas, bagagem ou carga, efetuado em aeronaves, mediante remuneração. Por outro lado, o Plenário do STF, em precedente julgado sob o rito da repercussão geral, RE 636.331, perfilhou o entendimento de que há uma regra de sobredireito constitucional a impor a prevalência do Diploma transnacional, pois, nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. 3. O art. 22, alínea 3, da Convenção de Montreal estabelece que, no transporte de carga, a responsabilidade do transportador em caso de destruição, perda, avaria ou atraso se limita a uma quantia de 17 Direitos Especiais de Saque por quilograma, a menos que o expedidor haja feito ao transportador, ao entregar-lhe o volume, uma declaração especial de valor de sua entrega no lugar de destino, e tenha pago quantia suplementar, se for cabível. Com efeito, o Diploma transnacional não impõe uma forçosa tarifação, mas faculta ao expedidor da mercadoria que se submeta a ela, caso não opte por fazer declaração especial – o que envolve, em regra, pagamento de quantia suplementar. 4. As limitações e tarifações de indenização estabelecidas pela Convenção Internacional estão ancoradas em justificativas relevantes, como: a) indispensabilidade de contratação de seguro, que seria inviabilizada pela inexistência de teto; b) compensação entre, de um lado, a limitação e, do outro, o agravamento do regime de responsabilização (inversão do ônus da prova de culpa ou mesmo imputação objetiva); c) unificação do direito, quanto aos valores indenizatórios pagos. 5. O art. 248 do Código Brasileiro de Aeronáutica tem disposição harmoniosa com o art. 22, alínea 5, da Convenção de Montreal, que estabelece que a limitação indenizatória não se aplicará se for provado que o dano é resultado de uma ação ou omissão do transportador ou de seus prepostos, com intenção de causar dano, ou de forma temerária e sabendo que provavelmente causaria dano, sempre que, no caso de uma ação ou omissão de preposto, se prove também que este atuava no exercício de suas funções. 6. O extravio da carga é, em todas as hipóteses, o próprio fato gerador da obrigação de indenizar do transportador, não se podendo reconhecer que, sem demonstração de dolo ou culpa grave do transportador ou de seus prepostos, possa ser afastada a aplicação da fórmula convencional, para o cálculo do montante indenizatório. 7. Recurso especial não provido. (REsp n. 1.341.364/SP, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/4/2018, DJe 5/6/2018 – grifei.).


Do voto do Ministro Luis Felipe Salomão, pela pertinência com a discussão destes autos, destaco o trecho: 6. No tocante à invocação, pela recorrente, do art. 248 do Código Brasileiro de Aeronáutica, que estabelece que os limites indenizatórios não se aplicam se for provado que o dano resultou de dolo ou culpa graves do transportador ou de seus prepostos, o parágrafo primeiro do mesmo dispositivo elucida que, para os efeitos desse artigo, ocorre dolo ou culpa grave quando o transportador ou seus prepostos quiseram o resultado ou assumiram o risco de produzi-lo. Leciona a doutrina especializada de José da Silva Pacheco acerca desse dispositivo tido por violado, in verbis: O art. 248 do novo Código, em comento, enfaticamente, exclui os benefícios dos limites estabelecidos, se for comprovado que o dano resultou de dolo ou de culpa-grave do transportador ou de seus prepostos, no exercício de suas funções. […] Na verdade, o texto com a emenda da Câmara, equipara o dolo à culpa grave e esta àquele e ocorrem sempre que ficar comprovado que o transportador quis o resultado danoso ou assumiu, temerária e conscientemente, o risco de produzi-lo, sabendo de antemão, que, provavelmente, o produziria com sua ação ou omissão, como se encontra no art. 25 da Convenção de Varsóvia-Haia-Montreal. Não há necessidade de se volver ao direito antigo, desenterrando tema proscrito pela doutrina e legislação contemporâneas, relativo à gradação de culpa, porque a “culpa-grave” a que se refere o art. 248, nos precisos termos do seu § 1º, equipara-se ao dolo e somente ocorre quando o transportador ou seus prepostos quiseram o resultado ou assumiram, temerariamente, o risco de produzi-lo sem providências para evitá-lo. (PACHECO, José da Silva. Comentários ao código brasileiro de aeronáutica. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 377-378).
De fato, essa disposição é harmoniosa com o art. 22, alínea 5, da Convenção de Montreal, que estabelece que a limitação indenizatória não se aplicará se for provado que o dano é resultado de uma ação ou omissão do transportador ou de seus prepostos, com intenção de causar dano, ou de forma temerária e sabendo que provavelmente causaria dano, sempre que, no caso de uma ação ou omissão de um preposto, se prove também que este atuava no exercício de suas funções. No que diz respeito à gradação, é possível dividir a culpa, conforme o caso, em culpa grave, culpa leve e culpa levíssima. A culpa leve se caracteriza quando o dano poderia ser evitado com um mínimo de diligência, em face do denominado “homem médio”. A culpa levíssima é aquela que decorre de uma falta que somente seria evitada com cuidados acima do normal. E, finalmente, a culpa grave é a que mais se aproxima do dolo, caracterizando-se pela falta de cuidados básicos de conduta. (MELO, Nehemias Domingos de. Da culpa e do risco como fundamentos da responsabilidade civil. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 12).


Ora, o extravio da carga é, em todas as hipóteses, o próprio fato gerador da obrigação de indenizar do transportador, não se podendo reconhecer que, por si só, caracterize dolo ou culpa grave. (Grifei.) Portanto, o extravio da carga, por si só, não é apto a caracterizar o dolo ou a culpa grave, sendo imprescindível sua comprovação. Além disso, das razões recursais não se extrai a demonstração de ato ou omissão intencional, do transportador ou de seus prepostos, para causar dano ou assumir resultado lesivo provável. Assim, tendo concluído o Tribunal paulista pela indenização tarifada prevista na Convenção de Montreal, sem ao menos tecer comentários acerca da culpa grave e do dolo do transportador, tal entendimento está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, motivo pelo qual incide a Súmula n. 83 do STJ, aplicável tanto aos recursos interpostos com base na alínea “c” quanto àqueles fundamentados na alínea “a” do permissivo constitucional. Outrossim, a alteração do desfecho conferido ao processo, para reconhecer na instância especial a existência de dolo ou de culpa grave da empresa aérea, demandaria análise do conteúdo fático-probatório dos autos, circunstância que atrai o óbice da Súmula n. 7 do STJ. Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo. Publique-se e intimem-se. Brasília-DF, 11 de março de 2020. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA Relator


Processo: AREsp 1620338 SP 2019/0341057-4
Publicação: DJ 19/03/2020
Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA